domingo, 17 de janeiro de 2010

As Origens (ou a Ruiva do Busão)

- Putameda...

Lá estava ele, olhando pra frente, vidro rachado, cabeça sangrando, de cara no muro. "Isso que dá tentar livrar a vida dos outros com péssimas opções", ele pensa. Seu último pensamento antes de tudo escurecer.

Tudo branco, lençol branco, pessoas de branco. Hospital. Ele se pergunta o que aconteceu, lembra do acidente, percebe a presença de alguém querida no quarto, sua mãe, e pergunta se o [maldito] pedestre está bem e fica aliviado com a resposta. Dois dias depois ele sai, feliz, serelepe, pimpão, pronto pra outra (que espera não aconteça); até perceber: onde está o seu carro querido?

- Ele vai ficar um mês marromeno, chapa.

"Grande", ele pensa. Volta pra casa, desconsolado. Pega a velha linha 3052 - Areia Vermelha/Marrocos , desconsolado. Vê aquela ruiva linda no banco ao lado, descon... não! Não! Nada de desconsolo! Seu instinto macho-alfa está lhe chamando para aquela caçada. Ele pula um lugar, e quando se prepara, ela puxa um livro velho. Ele olha, olha, olha. Perde a coragem. Livros o intimidam; desde criança.

Seu mundo está nos números, nas contas. Nada de palavras.

Ele é um adolescente. Acorda 5:30 da matina pra tocar a vida e pensa que acordaria uma hora mais tarde se estivesse com carro querido. Pensa que a vida devia ser uma música de Roberto Carlos: enquanto seu Cadillac está na oficina, ele devia ter o calhambeque, se apaixonar pelo calhambeque, viver o calhambeque. Mas a vida não é música, apesar da recíproca não ser verdadeira.

18:30 ele está voltando quebrado do trabalho. Cochila. Acorda. Cochila. Acorda. Cochila; acorda e vê: a ruiva lá de novo, agora no banco da frente. Ele vai, se aproxima, se aproxima... e percebe: lá está o maldito livro. Ele trava. Ele não gosta de livros: ele odeia livros.

2 x 0 para o livro. A ruiva é o prêmio.

Mas se passa uma semana, e nada dele vencer o livro. Duas. Três. Ele travou de vez. Não que ele antes daquela ruiva fosse o tal macho-alfa; ele não era. Tinha seus assomos, mas esses não venciam na maioria das vezes ante seus medos. Os livros eram um deles.

Ele perdeu. O carro estava pronto, e ele iria buscá-lo.

5:30 da manhã. O último dia dessa rotina antiga. O 5230, linha do sentido contrário o estava esperando, só que dessa vez, de manhãzinha o ar estava diferente. Ele esqueceu que era feriado, já quando estava no ônibus. Por isso aquele vazio, aquele ar estranho para um ônibus de periferia da capital. Só que, lá no meio, banco alto, estava ela... e o seu livro. Chapelão, canga, biquini: praia. Ele nem se anima mais (mente para si mesmo), vai andando, andando, andan... pimba! Um tombo! Uma mão no livro, um livro no ar, uma cara no chão.

- Cê tá bem?

- To-to-to! - machos-alfa sentem vergonha?

- Que bom!

Ela vai em direção ao livro, vai apanhá-lo... pulo do gato! Numa agilidade que não era a dele, ele pega o [maldito] livro antes dela; e ainda pega-o fechado. Ela agradece, sorri. Instintos "ON".

Ao lado dela:

- Tá indo pra praia?

- To sim; areia vermelha.

- Coincidência, tava indo pra lá!

- Pra praia? Com essa roupa?

- Não... pro bairro... mas, bem que eu podia dar uma passada na praia, tomar uma água de coco... se você me acompanhasse.

Sorri; milhões dentes. Sorri; os dentes pequeninos mais lindos do mundo.

- Pode ser.

Um dia de praia, uma água de coco, as boas e ótimas conversas que se poderiam ter tido se não fosse a existência daquele livro [maldito]. Mas, tudo acaba, o dia também. Ele vai pra casa, a ruiva desce no ponto dela, mas deu o telefone.

Ele desce em casa, o 3052 faz a curva. Um sorriso. Janta. Um sorriso. TV. Um sorriso. Cama.

E, antes de dormir: "Putameda! Esqueci meu carro!".

Ninguém pode negar o poder mágico que os coletivos têm.



5 comentários:

Yuri Padilha disse...

Ruivas são mágicas também! Ô, se são!

João Gilberto Saraiva disse...

O problema todo era o livro vermelho, um dia consegui ver a capa: Karl Marx: uma biografia socialista xD

Eu também gosto dos ônibus, é mais divertido.

João Pedro disse...

a topada. casualidade. sorte. adesivo sorridente em sua face.

Nathi disse...

Casualidade? Tu acha Pedro? Acho que foi mais a perna dele que travou mesmo!

A Ruiva era o Calhambeque? Acho que era mais um avião...que dá uma boa história de busão!

Cada um com as suas!

Maliça disse...

O texto que mais gostei.

Postar um comentário